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História do Pensamento Geográfico

Escrito por Erick Faria · 56 min. >
Historia do Pensamento Geográfico

Ensaio sobre a Evolução do Pensamento Geográfico que busquei condensar toda a trajetória da geografia em poucas palavras. Esse conteúdo foi produzido no âmago da minha formação acadêmica e eu compartilho com entusiastas e estudiosos do tema para discussão, colaboração e criticas sobre o tema.

Ensaio sobre a Evolução do Pensamento Geográfico

A evolução do pensamento geográfico desde bem orientada é capaz de fornecer ao geógrafo uma identidade perdida em momentos de fragmentação da ciência. Assim como na vida, em momentos que você passa por crises de identidade, geralmente recorremos à nossa história pessoal para resgatarmos os pilares de nossa formação identitária.

O momento é oportuno para a redação deste dossiê e para o estudo do pensamento geográfico, devido à alta fragmentação em que se encontra a geografia brasileira e internacional. O estudo do pensamento geográfico nunca foi tão relevante, uma vez que apenas estudando as origens e os “pilares” da ciência geográfica é que nós geógrafos conseguiremos resgatar nossa identidade para assim sabermos os caminhos a seguir.

Por haver muitas fontes de conhecimento, podemos entender o conhecimento que produzimos como uma convergência de vários comportamentos, de crenças, de valores, de suposições. Algumas questões nesse sentido nos guiam, como por exemplo: O que posso conhecer, como posso conhecer? O que posso conhecer na geografia? Sem sombra de dúvida, a geografia é um dos campos mais vastos, e quem escolhe a geografia tem como obrigação descrever a Terra. Descrição esta que esteve presente durante séculos no pensamento geográfico e que foi se amadurecendo com o aprimoramento das técnicas e ampliação do horizonte geográfico.

A grande questão em tempos de fragmentação na geografia é no que se refere a unidade que ela possuía, o que dava unidade a geografia? Como era trabalhada a Geografia? Quais eram os métodos? Assim como outras ciências a geografia veio se transformando, novos métodos foram surgindo, seguido por novas linhas de pensamento e novas formas de se fazer a geografia, porém, o grande problema disso tudo não é o avanço tecnológico, mas a fragmentação – a partir de meados do século XX – que segundo Amorim Filho (2017) se dá de duas maneiras, uma por excesso de especialização e outra por fragmentação paradigmática.

Na geografia contemporânea, a descrição da terra mudou na forma em que era feita, uma forte fragmentação atingiu a geografia e começou a negar todo o conhecimento produzido. Desde então, outras questões começaram a ser levantadas, pois aquela identidade de geógrafo do século XX começou a ser considerada arcaica. Sendo assim outras questões do tipo epistemológicas voltaram aos recém graduados e graduados em geografia, como por exemplo: Qual é a essência do conhecimento geográfico? Como chegar a essa essência? Como o conhecimento é gerado? Como é possível esse conhecimento? Como se alcança esse conhecimento? Como se valida ou invalida esse conhecimento?

O Geógrafo Richard Hartshorne já havia percebido essa dificuldade de alguns geógrafos de identificar seu real objeto de estudo, dizendo que:

De modo geral, a maior parte dos geógrafos de hoje, assim como através de toda história anterior da Geografia, aceitam os campos de cereais, o solo, as florestas, a configuração do relevo, as estradas de ferro, as cidades e os estados como objetos próprios de sua disciplina. Mesmo assim, entretanto, os geógrafos ficam embaraçados, em sua maioria, ao explicar aos especialistas de outros campos o que estuda a Geografia

HARTSHORNE, 1978, p. 32

Graduandos e graduados formados nas universidades nos últimos trinta anos sequer percebem essa fragmentação, sendo que, para os geógrafos recém formados a pluralidade da geografia no qual Amorim Filho (2007) destaca em seu trabalho “A pluralidade da Geografia e a necessidade das abordagens culturais” é vista como algo sempre presente na geografia desde sua formação, é vista apenas sob a ótica fragmentada. É como se a pluralidade da geografia fosse resumida em um “apanhado de ciências e conhecimento” agregados em uma disciplina conhecida como geografia.

Tendo em vista esse pequeno panorama, penso que, é mais que suficiente para justificar a necessidade de redação deste ensaio e concomitantemente dos estudos relacionados a epistemologia da geografia. Vale enfatizar que toda a estrutura do presente trabalho, como, as ideias centrais, a estrutura, e a organização são pertencentes ao professor Dr. Oswaldo Bueno Amorim Filho, cabendo ao autor condensar o maciço conteúdo em um ensaio buscando o tempo todo construir uma análise a partir das leituras sobre o tema.

Outro fator importante é de que, seria muito pretensioso da parte do autor ser capaz de condensar toda a história do pensamento geográfico em um pequeno ensaio. Por uma limitação de tempo algumas informações tiveram de ser deixadas de fora do mesmo, o que não desmerece o trabalho, mas que, para um entusiasta da ciência geográfica toda informação que faz parte direta ou indiretamente é de suma importância.

Geografias Primitivas

A geografia não tem um marco inaugural, a palavra geografia sim, mas a atividade geográfica é intrínseca ao ser humano. A geografia começa com os primeiros homens, ela é uma necessidade e está presente no homem desde sempre. O homem nasce situado, localizado e ele tem de saber onde está, onde estão os itens necessários para a sobrevivência.

A geografia, então, começou na África junto com o surgimento do homem e ela se expandiu com as grandes migrações. A geografia começa se ampliar e tem algumas preferências, assim, se consolidou mais facilmente em algumas civilizações. A geografia do homem primitivo tem uma escala muito reduzida, porém a partir do momento em que o homem começa a migrar, a escala muda.

Os mapas dos homens primitivos eram muito menos sofisticados, pois eles não tinham uma ideia de áreas, tinham apenas uma noção de linhas (trilhas) e pontos (locais). Quais eram as questões básicas dessa geografia? Onde está a água? Onde vou caçar? Eram questões vitais que o praticante primitivo de geografia fazia, pois eram questões de sobrevivência. Uma pessoa que mais se aproximava do ser “geógrafo” era aquele que tinha a noção de “onde”, em qual local encontrar itens vitais para a sobrevivência humana. Quando o homem primitivo migra, o horizonte geográfico se amplia.

As principais características dessa geografia eram os desenhos, em linhas e pontos, muito pouco duradouros. Outra característica é o conhecimento sendo repassado de forma oral entre gerações. A geografia passa a ser descritiva a partir do momento em que se buscava explicar aquilo que foi visto, sendo assim, não existia ainda uma teoria.

Era uma escala linear, muito voltada para as práticas do cotidiano, não havia ideia de superfície, eram pontos e linhas. As migrações que vão levar o desenvolvimento de uma outra geografia, pois quando um grupo mudava e se instalava era necessário criar conhecimentos sobre essa nova área.

Quando o horizonte se amplia muito, o homem primitivo não vai conseguir explicar os fenômenos da geografia como anteriormente, ele vai precisar criar técnicas para saber identificar novas áreas. O homem passa a cultivar e a sedentarizar-se, e começa a criar conexões entre os aspectos da natureza e atividades de seu cotidiano.

A caça animal muda, pois surge a pecuária, o homem começa a dominar a agricultura através da plantação de grãos e sementes e os aspectos do lugar, da natureza, onde é o melhor lugar para plantar e cultivar determinado tipo de planta. Isso ocasiona uma mudança radical de escala, de técnicas para estudar o local, o espaço e a relação escala/fenômeno.

Quando o homem primitivo se sedentarizou ele começou a criar cidades, criar muros e mecanismos de defesa, passou a ter uma alimentação mais regular, por meio do cultivo de plantas e domesticação de animais. Nesse sentido, algumas civilizações foram privilegiadas pela geografia, situadas em algumas bacias, sendo elas as indianas, as civilizações chinesas.

Alguns dos principais elementos da geografia primitiva são: a necessidade de exploração, localização, migração acompanhado pela necessidade em conhecer novos territórios e o estabelecimento de diferentes relações com a natureza a partir do avanço da sociedade e sua complexificação com o meio.

Os motivos, objetivos e motivações das atividades geográficas neste período foram as necessidades básicas de sobrevivência e adaptação ao meio. Conforme a sociedade primitiva foi se complexificando, se sedentarizando, a geografia teve de se aprimorar, de amadurecer. A Geografia é condição para explorar melhor as condições naturais e algumas sociedades enxergaram isso, o que levou ao seu desenvolvimento.

Geografia Greco-Romana (800 aC – 300 dC)

Com a complexificação das sociedades e das relações humanas, a geografia praticada até então pelo homem primitivo era insuficiente para responder às questões levantadas devido a novas necessidades. Há uma necessidade de “amadurecimento” da geografia por inúmeras questões, mas sobretudo para a exploração das condições naturais.

Será na civilização grega que a geografia ganhará prestígio e será aprimorada pelos cidadãos gregos. A geografia não se desenvolveu na Grécia antiga por acaso, algumas características da geografia da Grécia forneciam campo fértil para o seu desenvolvimento. A seguinte passagem é um ótimo resumo de como a civilização grega era:

Paradoxo vivo, a Grécia antiga ilustra a extraordinária complexidade da noção de civilização e a extrema dificuldade que tiveram os homens primitivos para se arrancarem à cegueira da animalidade e abrirem para o mundo um olhar de homem 

BONNARD, 2012

Os gregos são eslavos na sua origem. Os eslavos são oriundos do que hoje chamamos de Sérvia, Iugoslávia significava Eslavo do Sul. O outro núcleo é a Rússia, as cidades de Belgrado, Moscou, Varsóvia.

O desenvolvimento da Grécia tem a ver com sua localização e outras características geográficas. A Grécia não tinha uma topografia que facilitasse a agricultura em grande escala, e havia grande amplitude térmica entre as estações. O solo não possuía uma fertilidade natural, o que necessitava de conhecimentos específicos para plantar.

A localização da Grécia Antiga era – e ainda é – cercada pelo mar Egeu e o agitado mar Mediterrâneo, a água era o caminho e o meio de locomoção entre as civilizações circunvizinhas. Os gregos dominaram o mar, cresceram pelo mar, e começaram a instalar colônias por todo o mediterrâneo. A Grécia sempre teve vizinhos poderosos, a Itália localizava-se ao oeste e ao leste tinha o território da Ásia Menor, onde localizava-se o Império Persa.

A Grécia teve que desenvolver o conhecimento geográfico como uma busca de perfeição, por razões vitais, tal como o homem primitivo que buscava a comida, o refúgio. É possível perceber um equilíbrio entre Terra e água, a água em toda parte facilitou o desenvolvimento de navegadores, através do Mediterrâneo e um mar interior em contato com o mediterrâneo. A Grécia tem uma topografia marcada por uma cadeia de montanha, apesar de não serem altas, forma um relevo irregular e uma grande quantidade de ilhas, sendo que, calcula-se em mais ou menos 3 mil ilhas.

Este contexto estimulou a geografia, pois a mesma é condição para explorar melhor essas dificuldades encontradas no espaço. Não havia animais de caça, a pecuária era muito difícil. Era preciso conhecer o mar e mapear as ilhas. A geografia se impunha no antigo território grego. As três coisas, mar, montanha, ilhas, faz com que você precise do conhecimento geográfico para viver.

É importante ter a informação sobre o que tem em um referido território, e são conhecimentos vitais que a geografia fornece. Os gregos valorizavam muito a educação, na qual tinha a geografia como ciência fundamental. Essa educação era conhecida como Paideia e a razão no conhecimento produzido também tem um papel fundamental.

Os gregos estruturaram o que havia antes do conhecimento geográfico, ele deixa de ser somente aplicado às necessidades vitais e começa a ser teorizado. Com um litoral movimentado devido a sua localização, os viajantes começam a se deparar com uma imensidão de “mundos” e lugares diferentes, nos quais eles não tinham acesso.

Assim, essas viagens começam a ser descritas pelos viajantes. A descrição deixa de ser oral e passa a existir relatórios de viagem e relatórios de campo. A geografia dos viajantes era conhecida como corografia, você tinha pessoas enxergando o mundo como um todo. A geografia se dava no encontro da geografia geral e a geografia especial/regional. As duas eram complementares, uma vez que é necessária a geografia geral para se ter ideia de um todo da Terra.

Daí, uma tendência geral, bem identificada pelos historiadores da geografia nesse período: o desenvolvimento de uma geografia descritiva detalhada – que de acordo com Estrabon, pode-se chamar Corografia – a qual abre um espaço cada vez maior para a história e para a geografia humana (sobretudo etnografia) (NICOLET, 1988, trad. Amorim Filho).

A grande mudança na organização do conhecimento geográfico foi quando a civilização grega se preocupou em fazer filosofia. Este é um marco importante para a geografia, pois a teoria é o que garantirá longevidade ao conhecimento, ao contrário do conhecimento empírico que é efêmero e passageiro. Segundo Amorim Filho (2017), se você não teorizar sobre o empírico, o conhecimento não se consolida. A teoria garante a durabilidade do conhecimento e o método garante a possibilidade da produção do conhecimento, o método é complementado pela técnica.

A Grécia utilizou-se do conhecimento de outras civilizações, e difundiu-se para os povos ocidentais, cuja principal característica foi a descrição da Terra com base filosófica. A civilização grega é, segundo Amorim Filho (2017), uma civilização diagonal, pois ela se “alimenta” dos conhecimentos dos outros. A geografia fazia parte do conhecimento para os Gregos e dos viajantes, onde “inserida no desenvolvimento histórico da geografia, desde épocas remotas até os dias atuais, aparece a cartografia, acompanhando o próprio progresso da civilização […]” (CAVALCANTI; VIADANA, 2010, pag. 15).

Os professores de geografia na Grécia eram de dois tipos: os filósofos e o viajante. Os filósofos refletiram sobre o mundo, e o viajante trazia as informações sobre os mundos que conheceu. Os gregos fizeram a primeira organização e institucionalização da Geografia. A geografia dos gregos tinha as partes e o todo em suas análises geográficas, havia uma correlação entre a paisagem, de todos os elementos. Ou seja, a análise se dava a partir do todo. Os gregos trabalhavam com os elementos e a totalidade deles, uma visão de todo sobre os elementos.

Homero

A geografia dos gregos se desenvolve por meio da literatura e de um notável personagem, que nos acompanha ainda nos dias de hoje, Homero, e suas duas grandes obras escritas em formato de poemas, Ilíada e Odisseia.

Homero em suas duas principais obras descreve o cenário, descreve o clima, a terra. A partir de Homero, é considerado o início de tudo. A geografia que se desenvolve em Homero é pela literatura, uma vez que, para Homero o que não pode ser transformado em literatura não pode ser considerado ciência segundo os gregos. Homero é considerado o primeiro geógrafo grego e é o primeiro educador, um polímata – pessoa que possuía um conhecimento múltiplo.

A geografia no seu âmago é uma ciência que nasce com uma responsabilidade grande e uma necessidade de pluralismo nos pilares metodológicos. A descrição da Terra, ou a relação entre o homem e o espaço é algo que permeia todas as áreas do conhecimento, como: agricultura, economia, aspectos físicos e relações sociais.

Surgem então dois eixos da geografia, sendo eles denominados de Geografia Geral e Geografia Regional. A geografia geral é quando se tem a escala da Terra como um todo, e era voltada para os estudos de questões climáticas, hidrográficas, aspectos de maior grandeza e que se repetiam por toda a terra. Essa escala é trabalhada através da abstração com a filosofia, matemática.

A Geografia Regional é quando você separa uma parte da terra e estuda os elementos que estão dentro dessa área e a interação entre as outras áreas, ou seja, é voltada para a descrição dos locais, para os aspectos de uma determinada região, que não necessariamente se repetem por toda a terra, como acontece na geografia geral.

Os dois eixos serão unificados por dois geógrafos, que são Eratóstenes e Estrabão, pois trabalharam com as duas geografias e as unificaram. O produto deles é o mais geográfico de todos até o momento. Uma geografia matemática, geométrica e que levasse em consideração a corografia. É necessário ao geógrafo, para fazer essas geografias, ter uma ideia de conjunto, uma ideia de toda Terra.

Eratóstenes de Cirene (285 – 194 a.C.)

Eratóstenes era chefe da biblioteca em Alexandria, o que lhe deu acesso aos livros necessários para realizar uma geografia geral. A geografia feita pelo Eratóstenes unificou a geografia em um primeiro momento.

Eratóstenes foi um dos primeiros e mais fascinantes geógrafos de toda a história do pensamento geográfico. Sua maior façanha que conquista admiradores até os dias atuais é o fato de ter calculado com extrema precisão, para a época, o raio da Terra. Seus experimentos também se deram no campo da astronomia, calculando a distância entre a Terra e o Sol.

Estrabão (64 a.C. —  24)

Estrabão fez uma síntese de toda a geografia até então produzida em sua obra Geografia, publicada em 17 volumes. Essa obra é um marco para a Geografia, por dois motivos: um por ser uma das poucas obras deste tempo que chegou aos dias atuais e por ser a grande primeira obra escrita que dá sustentação à ciência geográfica. Segundo Amorim Filho (2017), o primeiro volume dedicou-se ao conteúdo epistemológico e, no segundo volume, Estrabão desenvolveu uma geografia regional, dizendo ser a geografia um dos domínios mais importantes para filosofia.

A geografia […] nos parece ser, como algumas outras ciências, do domínio da filosofia […] a variedade de aplicações que é susceptível à geografia, que pode servir, por sua vez, as necessidades dos povos e aos interesses dos chefes… implica que o geógrafo tenha esse mesmo espírito filosófico habituado a meditar sobre a grande arte de viver e de ser feliz.

ESTRABÃO, apud LENCIONI, 2003, p. 31

Ptolomeu (90 – 168)

Ptolomeu foi um geógrafo que viveu em Alexandria e é reconhecido pelos seus trabalhos no campo da geografia geral, onde sua obra Geographia inclui coordenadas de latitude e longitude dos principais lugares da época (CAVALCANTI; VIADANA, 2010). Seus trabalhos estabeleceram uma grande síntese geográfica, que forneceu uma ideia de conjunto, estabelecendo uma relação dos lugares com suas localizações, Ptolomeu fez também uma relação entre a Geografia e a Astronomia, alegando ser a Terra o centro do universo.

Outro fator controverso, mas que certamente ajudou a geografia da Grécia a se desenvolver foi o período conhecido como Helenismo, que através das dominações de outras civilizações agregou uma somatória de vários valores, que tinham compatibilidade com as ideias gregas e que estavam espalhadas sobre essas civilizações axiais (AMORIM FILHO, 2017). A Grécia se beneficiou de elementos de outras civilizações, que eram compatíveis com os elementos da civilização grega, nem tudo servia para os gregos, eles adicionavam apenas aquilo que era útil para eles.

Dessa maneira, a geografia dos gregos significou um grande salto para a consolidação da geografia, uma vez que, as questões gregas elucidaram três aspectos importantes, sendo eles o método através da filosofia, as técnicas através dos instrumentos desenvolvidos e os temas, que no final de tudo isso resultou na institucionalização do conhecimento geográfico.

A racionalização e a desvinculação da mitologia foram um grande salto para a geografia e a ciência em geral. Os gregos buscaram compreender a origem do universo e do mundo físico por meio de observações e técnicas científicas, o que significou uma sistematização do conhecimento produzido. Este conhecimento seria posteriormente utilizado por outras civilizações, sobretudo os romanos, para fins práticos e geopolíticos, sendo que, eles estudaram as obras dos gregos e fizeram a aplicação deste conhecimento produzido aplicando-os visando as necessidades do império.

Geografia do Império Romano

Assim como na civilização grega, os romanos vão utilizar o conhecimento geográfico, porém com viés mais prático e aplicável em questões geopolíticas. Não que os gregos não tenham usado a geografia para fins práticos, mas o Império Romano irá absorver o conhecimento dos gregos, aprimorá-lo, e criar novas técnicas de estudo populacional, como por exemplo o recenseamento de sua população.

A epistemologia da geografia se perde com os romanos, não há pensadores preocupados em teorizar sobre a geografia, por mais que os ensinamentos permaneçam na civilização romana, são usados apenas para fins práticos. A geografia desenvolvida no Império Romano será voltada para a consolidação da expansão territorial e da organização administrativa, fazer comércio, fazer guerra, dominar, navegação, desenvolvimento de mapas costeiros voltados para o comércio e fins militares.

A diferença entre a geografia dos gregos e dos romanos do ponto de vista da evolução do pensamento geográfico é que os gregos produziram um conhecimento mais abstrato, voltado para a geografia geral através de hipóteses. Os romanos por sua vez, produziram uma geografia de cunho mais regional, aplicada às necessidades do império e de sua administração.

Geografias Medievais: Islã, China, Ocidente (500 – 1400)

Após o fim do império romano, o feudalismo é o próximo período histórico que se caracterizava pelo isolamento espacial dos feudos e a geografia era praticada dentro de mosteiros. A geografia do mundo cristão começa nos mosteiros, o que limita o horizonte geográfico. O conhecimento geográfico terá, em um primeiro momento, uma limitação às áreas próximas aos feudos, e o que estava fora dos muros das cidades será complementado pela imaginação. Os frades tinham o conhecimento da geografia, mas os mesmos não podiam sair.  Outro aspecto que toma conta da geografia nesta época é a imaginação, uma vez que a geografia era fechada dentro dos mosteiros, rodeado por muros, o conhecimento limitado do mundo era complementado pelas imaginações.

A geografia feita em muros perde o contato com a realidade, é uma prática perigosa, que tem inclusive, retornado nos dias atuais com os geógrafos de gabinete. O que começa a abrir esse mundo são os peregrinos e suas excursões em direção aos lugares sagrados, em destaque os cruzados. Apenas com as “explorações geográficas” através de viagens, sobretudo visando criar novas rotas de comércio, o horizonte geográfico irá sair das imediações dos feudos e criar proporções até então não atingidas. Os comerciantes e os viajantes também colaboraram para a abertura do horizonte geográfico e, posteriormente, os navegadores e os cartógrafos em busca de novas rotas para o comércio.  As descrições mais fieis eram dos peregrinos, pois eram grandes grupos, o que diminuía a subjetividade das descrições feitas durante a jornada que iam em direção a terra santa.

Nas viagens houve uma ampliação de novos horizontes geográficos por meio das “explorações “geográficas”. Influenciado pelos princípios cristãos e pelos mosteiros Marco Polo será o mais famoso viajante deste período, ele visitará várias civilizações e viajará entre vários povos, mesmo em condições precárias, e relatará tudo em um livro que se chama o Livros das Maravilhas.

Marco Polo (1254 – 1324)

Foi um viajante, descendente de uma família de comerciantes de Veneza, foi muito importante pelas suas viagens que são descritas no seu Livro das Maravilhas, onde descreve o contato com a civilização Mongol e sua tentativa de conseguir apoio para lutar contra o Islã, uma vez que os muçulmanos impediram o comércio entre o extremo oriente e o ocidente.

Marco Polo desenvolveu uma geografia com descrições – que apesar de serem descritas como fantasiosas ou até mesmo mentirosas – muito precisas a respeito dos locais em que visitou. Suas descrições presentes no Livro das Maravilhas produziu um riquíssimo relato para a geografia da Idade Média e permitiu às pessoas a leitura de descrições de outros povos e outras culturas. 

Geografia do Mundo Árabe/ Muçulmano

O mundo mediterrâneo na maior parte do tempo foi controlado pelos muçulmanos, quando o império romano é desfeito, o domínio não é passado para apenas um tipo de povo, e nesse contexto geopolítico o Mundo Islâmico se destaca. O Mundo Islâmico era um dos mais unificados de todos nesta época, uma vez que tinha a religião como eixo central unificador. A Península Arábica antes do islã era desunificada, o islã que vai unificar esse povo e terá como protagonista dessa unificação o profeta Maomé. Com a unificação dos povos árabes e a instalação da religião Islâmica vai haver um incentivo, de cunho religioso e missionário, aos povos árabes a fazer uma peregrinação através de outros territórios que serão importantes para o intercâmbio de conhecimento entre outras culturas.

Os Árabes não tinham uma base de conhecimento, eles tiveram de procurar a geografia onde ela tinha existido antes, principalmente com os gregos, e lendo em grego, procuraram também na Índia, na China e agregaram tudo isso na casa da sabedoria que terá um papel fundamental para o desenvolvimento da geografia. Eles fizeram um treinamento na Geografia, para desenvolver a geografia e as viagens foram ótimos trabalhos de campos.

 

Ibn-Battuta (1304 – 1377)

Ibn-Battuta foi um explorador árabe que viajou boa parte do mundo islâmico, fazendo registros e anotações de todas as regiões visitadas. Foi roubado, deixado apenas com a roupa do corpo e, posteriormente, ditou tudo o que lembrava de suas viagens. Battuta fez uma descrição de lugares e não se preocupou com a geografia geral, se preocupou apenas com os lugares do mundo islâmico. 

Al-Idrisi (1110 – 1165)

Faz duas geografias, uma geografia do mundo, que era a geografia mais científica que existe, contemplando o clima da Terra, regiões da terra e, no fim do livro, descreveu as regiões do mundo. Amorim Filho (2017), entende que Idrisi fez uma geografia mais completa que o Ibn-Battuta, pois ele navegou entre os dois eixos. Al-Idrisi aperfeiçoou o modelo de zonas climáticas em suas obras, apresentando para a época um sofisticado sistema de classificação climática.

Geografia no Império Chinês

O Império Chinês se diferenciava em vários aspectos das civilizações ocidentais e isso foi expresso na geografia realizada por eles. Por uma questão de dificuldade linguística, os conhecimentos geográficos chineses são poucos, se comparados ao mundo ocidental. O maior especialista em percepção chinesa é o geógrafo chinês Yi-Fu Tuan que trouxe para uma língua acessível – o inglês – um pouco dos valores dessa geografia chinesa. A geografia praticada pelos chineses era muito voltada para seus valores, por uma característica própria de sua civilização, baseando-se na harmonia entre homem e natureza.

Essa relação entre homem e natureza é facilmente compreendida quando analisamos a civilização chinesa do ponto de vista de sua religião, que é uma crença voltada para uma harmonia entre o homem e seu meio. Desenvolve-se então uma percepção de integração entre homem e paisagem, o homem na percepção da civilização chinesa integra a paisagem e tem-se uma visão de que a natureza é a maior grandeza, onde tudo se inicia, diferentemente do mundo ocidental, voltado aos ensinamentos cristãos.

A geografia medieval, tirando o que os chineses fizeram, foi um prolongamento ao que os gregos fizeram, as geografias mais dinâmicas tiveram raízes na Grécia. Essa geografia é um prolongamento da geografia dos gregos, as geografias medievais mais dinâmicas tiveram raízes na Grécia, não houve uma ruptura, houve um prolongamento do que já tinha sido feito. Desenvolveram além de uma percepção ambiental, uma geografia mais descritiva, mais humanizada e vivenciada.

Período Renascentista, Iluminismo e Modernismo no Pensamento Geográfico

O contexto da época pedia por mudanças na geografia, e a abertura do horizonte geográfico foi beneficiado com as grandes navegações. A geografia dos gregos e medieval não era suficiente para explicar esse mundo geográfico que estava em expansão.

Nesse período há uma transição entre as geografias medievais e a geografia moderna que inclui a renascença e o modernismo. Nós temos uma revolução científica na renascença, pois os valores da idade média são colocados em questão. A reforma protestante foi um marco importante no questionamento destes valores medievais, o que ocasionou uma interpretação diferente no mundo ocidental.

Qual a validade desse conhecimento e como posso organizá-lo são indagações da epistemologia. Meu conhecimento é válido, se ele é válido, como pode ser organizado para ser difundido e aproveitado da melhor maneira possível? Os pesquisadores dessa época buscavam interpretar as coisas através de observações e anotações, e não mais através de explicações teológicas como verdades absolutas.

A busca da racionalidade é marcada nesse período conhecido como Iluminismo. O filósofo Rene Descartes é um dos mais conhecidos do modernismo e é a ele atribuída a frase mais famosa desse período “Penso, logo existo”, e a ideia de que não devemos admitir nada que não seja absolutamente evidente. A ciência baseada na racionalidade deu um novo modo de fazer geografia que gerou um desenvolvimento extraordinário na reflexão geográfica no mundo ocidental.

Benhard Varenius (1622 – 1650)

Benhard Varenius nasce em 1622 e morre em 1650 no porto de Amsterdã, é o autor do livro Geografia Geral, que publicou aos 28 anos. Nasceu em região portuária, na cidade de Hamburgo, o que colaborou para sua obra, uma vez que ouvia histórias dos viajantes e mercadores que chegavam das mais diversas áreas do mundo. Varenius estudou medicina, matemática, teve uma formação generalista – formação dos intelectuais da época – mas, Varenius tinha uma curiosidade enorme, o que fez aprender outras línguas, através dos outros viajantes. Posteriormente, muda para Amsterdã e começa a trabalhar como tutor – o que hoje chamamos de professor particular. Escreveu um livro da Descrição do Reino do Japão, mas o mais interessante é que não se tem registro sobre sua ida ao Japão, o livro foi escrito baseado nos relatos dos viajantes. Ele é diagnosticado com tuberculose e morre aos 28 anos.

As informações para escrever os livros foram obtidas por meio do conhecimento adquirido junto aos viajantes. Essa geografia feita por Varenius é a geografia corográfica, baseada em relatos, bases secundárias, dados estatísticos, informações produzidas por outros, assim como os gregos faziam em seu tempo. Em 1650, ele escreve sua grande obra intitulada Géographie Générale, que chamou a atenção do físico Isaac Newton, sendo inclusive traduzido para a língua inglesa, a pedido do físico.

A obra destacou mais o viés físico da geografia, pois a geografia humana ainda não tinha se desenvolvido. Mais adiante esse tipo de abordagem seria a matriz do que se chama de Geografia Universal. A obra de Varenius teve um impacto tão grande que em Le Principle de la Géographie Générale (1896), Vidal de La Blache afirmaria que: “A obra teórica que melhor traduziu o efeito dessa ampliação de horizontes foi o trabalho publicado em 1650, sob o significativo de Géographie Générale, por um alemão do norte estabelecido na Holanda, Bernard Varenius” (LA BLACHE, 1896, tradução de HAESBAERT e SHOUCCHAUD, 2012).

Na geografia geral para Varenius, a geografia era uma ciência mesclada com a matemática, desse modo a geografia ganhou um viés quantitativo, aproximou-se da física, e ela sendo ligada a matemática ganha um caráter mais abstrato do que a outra que é descritiva. Varenius construiu uma base epistemológica geral, e começou a aplicar.

A geografia geral é aquela que estuda a terra inteira e suas propriedades sem levar em conta as regiões particulares. A geografia especial descreve a constituição e a situação de cada região individual em si mesma, isso de duas maneiras: a corográfica que descreve as regiões de uma determinada extensão ou a topográfica que dá uma visão de algum lugar ou pequena extensão da terra. O interessante é pensar que Varenius foi o primeiro a refletir sobre isso e foi um dos pioneiros a sistematizar uma espécie de pensamento epistemológico na geografia. Os estudos topográfico e corográfico transformaram em estudo regional hoje. Varenius não achava que era possível geografia sem matemática e, por isso, estudava a parte quantitativa da Terra.

Varenius é pioneiro no uso da abordagem sistêmica na geografia, que é a ideia de que se você mexer em uma gota do oceano, você está mexendo no oceano inteiro. Pela primeira vez, tem-se uma geografia completa, que tratou da questão das escalas, identificou na geografia especial elementos da geografia geral, traduzindo se na geografia regional a somatória e integração dos elementos na escala regional. A matemática é um instrumento importante assim como a cartografia. Varenius dizia que você tinha que ter um mínimo de vocabulário para estudar e produzir alguma coisa. Ele deu grande destaque ao peso da geografia regional como síntese geral, uma busca da geografia como estudo do todo e o todo em partes, assim como será visto em Kant no período seguinte.

Séculos XVIII, XIX e parte do Séc. XX

Após o período do modernismo e as transformações ocasionadas na geografia e nas ciências de um modo geral, este é o período em que a geografia atinge o seu ápice de unidade epistemológica, e o ápice do pensamento geográfico, juntamente com um prestígio e um método seguro. A unidade da geografia durante este período era tão bem consolidada, que não precisava de uma disciplina a fim de ensinar a unidade epistemológica. Uma primeira característica da geografia era sua ligação com a geografia física que foi predominante até meados do século XX, já que o homem só teve alguma confiança de que as ações dele eram tão importantes quanto a da natureza apenas no século XX.

A geografia corográfica passara a ser chamada de geografia de síntese e geografia regional. Entendia-se que, após fazer uma análise completa e conseguir comprimir tudo isso em uma síntese, você terá a geografia regional.

Immanuel Kant (1724 – 1804)

Kant disse que a geografia é a propedêutica – a que abre, que começa algo – para todas as outras ciências, e que, seria na geografia o começo, a base, para início de qualquer estudo. Em Kant, a geografia ganha uma teoria do todo em partes, uma ideia de sistema que se baseia na visão de que a única maneira de entender uma coisa é compreender sua totalidade, mas ao estudar as partes desse todo, essa parte faz parte de uma outra totalidade.

Kant praticamente não viajou, isso lhe deu uma formação mais filosófica. Ele afirmou que a geografia era uma necessidade filosófica para ele e que precisava ter uma base temporal para o estudo da geografia, e essa base era a história. A história para Kant era fundamental para a geografia, pois a geografia é um recorte da história. A geografia tem suas escalas, a mudança de escala faz uma mudança de escala estrutural.

A geografia aparece como fundamento da história pois é necessário que os acontecimentos se relacionem a qualquer coisa, os acontecimentos ocorram em algum espaço. Para que esta propedêutica do conhecimento do mundo atinja seu objetivo, Kant estima que a geografia não pode em nenhum caso consistir em um agregado de conhecimentos, mas ela deve ao contrário ser construída como um sistema no interior do qual as coisas são consideradas segundo os lugares onde elas se encontram sobre a Terra.

LESAGE, 2000, tradução de AMORIM FILHO, 2017

A geografia aparece como fundamento da história para Kant, a geografia é a base pois é preciso que os acontecimentos se relacionam com alguma coisa, com o espaço. Para que essa propedêutica do conhecimento do mundo atinja seu objetivo, Kant pensa que a geografia não pode consistir em um agregado de conhecimentos. A síntese, para ele, não é entendida como um agregado, mas ela deve, ao contrário, ser construída como um sistema.

Kant era muito preocupado com a validade do conhecimento, o que se expressa nas obras Crítica da Razão Pura, Crítica do Juízo, Crítica da Razão Prática, onde tudo é voltado ao empirismo, ao racional e à teoria. Kant se preocupou com os currículos escolares e, nesse ponto, a geografia foi muito valorizada por ele. A partir da proposta de Kant, a geografia começou a ser obrigatória na escola. Kant ganhou a vida como professor de geografia, ele convivia com o estudante, era uma espécie de tutor. Apesar de não ter viajado muito, ele fez geografia conversando com os viajantes, de forma muito parecida com a de Varenius.

Para Kant todo conhecimento começa com a experiência, mas essa experiência não precisa ser sua, porém, é necessário perguntar-se de que maneira é possível a experiência. Experiência para Kant é percepção organizada e a partir dessas percepções e da organização delas que constituem o primeiro passo da geografia. Organizar as percepções é importante para o estudo do geógrafo e uma das maneiras mais eficientes de organização das mesmas é através dos mapas.

A rigor conhecer é sintetizar, na perspectiva de Kant o estudo da paisagem e da região são sínteses que formam um conjunto devido às relações que existem entre os elementos que estão contidos na área de estudo. De acordo com Kant, a geografia tem duas etapas, uma analítica que é da geografia geral e outra sintética que é da geografia regional. O papel do geógrafo pode ser entendido, diante da perspectiva kantiana, como responsável por ligar as partes como: lugar, região, paisagem, território. Tais elementos compõem o todo da Terra como morada do homem.

Kant estabeleceu a transição entre a geografia antiga e a geografia moderna, lançando as bases filosóficas que influenciaram a geografia de um modo geral, sobretudo alemã. Suas ideias do todo em partes e as partes que compõem um todo serão uma forte influência até a revolução paradigmática. Seu interesse na geografia foi devido ao interesse filosófico de compreensão da condição humana, uma vez que se deseja conhecer o homem, não se deve negligenciar o mundo em que vive.

Escola Alemã de Geografia

Para entender a geografia alemã é importante lembrar que a Alemanha se encontrava em um contexto de unificação, o que influenciou o pensamento de alguns geógrafos. A revolução Francesa vai ter um peso na unificação da Alemanha lançando bases para o nacionalismo alemão. A geografia seria importante para este período de mudanças nas fronteiras, pois seria nela que se analisaria as bases, recursos e fronteiras.

Ao contrário do que alguns pensam, não houve uma ruptura entre a Escola Francesa e a Escola Alemã de geografia. A Escola Alemã continuou os trabalhos da escola Francesa. Na verdade, a Escola Alemã se baseou na escola francesa, sendo que, inclusive Hettner e La Blache foram contemporâneos e se conheciam. Há também uma presença de “coautoria” em seus trabalhos como, por exemplo, nos estudos da paisagem.

Outro fator importante que alguns pesquisadores se esquecem ou negligenciam é de que os pensamentos geográficos contemplados anteriormente serão importantes para a composição da escola alemã. Conforme citado anteriormente, Kant e suas ideias do todo em partes e as partes que compõem um todo, será um guia para muitos geógrafos alemães. Dessa maneira é importante termos em mente que:

Os estudos sobre os escritos de Estrabão, Eratóstenes, Ptolomeu, Plinio, Isodoro, passando por Varenius e Blache, foram de capital importância para os trabalhos realizados por Humboldt, Ritter, Ratzel e outros, que pensaram a organização do conhecimento geográfico.

KIMBLE, 2005 apud GODOY, 2010, p. 149

Para Amorim Filho (1985), os fundamentos da geografia alemã se encontram nas obras dos geógrafos considerados os fundadores da geografia alemã: Alexander von Humboldt e Karl Ritter dos continuadores Hettner e Ratzel. A geografia alemã terá uma organização que segundo Amorim Filho (1985) se dará em dois estágios:

[…] um primeiro estágio que consistia em uma coleta cuidados de dados factuais, detalhados e precisos; um segundo, no qual era conferida coerência ao material, que se tornava inteligível ao ser submetido a um certo número de leis que deveriam expressar as relações de causa e efeito a serem encontradas nos fenômenos, tão concisa e simplesmente quando possível.

AMORIM FILHO, 1985

Estes estágios serão o marco da Escola Alemã e darão um prestígio jamais visto na geografia, sendo que na Escola Alemã houve o surgimento de uma cadeira de geografia na universidade pela primeira vez na história. Os precursores da Escola Alemã de Geografia foram Humboldt e Ritter que deram uma visão holista e plural para a geografia, considerando o todo, e com o pensamento de que para conhecer o todo tinham que conhecer as partes do todo, o que demonstra uma forte influência de Kant.

Alexander von Humboldt (1769 – 1859)

Alexander Von Humboldt nasceu na antiga Prússia, e foi um dos principais geógrafos de todos os tempos, sendo lembrado até os dias atuais, tendo seu nome vinculado a nomes de prêmios acadêmicos, nomes de faculdades, entre outras coisas. Humboldt foi um dos primeiros a caracterizar a geografia na América do Sul com precisão – destino de uma das suas principais viagens – e foi a pessoa a descrever o fenômeno do El Ninõ e La Niña na costa do pacífico.

Em sua viagem à América do Sul, Humboldt escalou o vulcão Chimborazo acompanhado do botânico, e seu amigo francês, Bonpland, auxiliando nas viagens e catalogando todas as espécies de plantas encontradas durante todo o percurso. A partir dessa catalogação de espécies, fez uma análise quando voltou para Europa e fez uma classificação comparando a geografia do local com outras regiões (WULF, 2016).

É importante destacar nessa parte que Humboldt, em um primeiro momento, fez uma geografia geral, classificando, anotando e catalogando as espécies e aspectos que chamavam sua atenção durante a viagem, e em um segundo momento, ele fez um trabalho de geografia regional, onde criou uma síntese daquilo que foi visto e comparando com outras regiões que conhecia. Isso não quer dizer que Humboldt criou novidades na geografia, mas, ele usou-a e aplicou-a como ninguém antes.

Seu livro Quadros da Natureza é um exemplo desse pioneirismo e precisão de Humboldt, onde ele escreve uma obra que classifica a natureza segundo quadros, seguindo suas fisionomias, classificando a geografia do local em uma espécie de unidades de paisagem (HUMBOLDT, 1970). Humboldt foi influenciado por Rousseau e Goethe, o que estimulou seu lado romântico. Humboldt sabia pintar e tinha uma escrita poética, o que aparece em sua obra Quadros da Natureza, onde é possível perceber a pintura e a fonte de prazer intelectual, Humboldt era voltado para a arte e contemplação da natureza.

Humboldt não se preocupou em fazer geografia regional, a não ser pontualmente. A geografia geral é mais analítica, a geografia regional é mais sintética. O que mais chamou a atenção de Humboldt foi a história natural. Humboldt fazia uma grande descrição do mundo, o que culminou em sua obra máxima O Cosmos, e tinha uma visão holista, onde ele achava – assim como Kant – que você deveria compreender primeiro o todo e depois trabalhar as partes. Para Humboldt, a noção de paisagem não apresenta contradição com a busca permanente de que o geógrafo deve fazer com as conexões, e são nas conexões que estão a chave da geografia.

Karl Ritter (1779 – 1859)

Karl Ritter usa a história natural com rapidez e passa para o estudo da história humana. É considerado um dos pais da geografia histórica e um dos pais da geografia regional. Ritter era extremamente religioso, achava que estudando a geografia chegaria a Deus, porém, apesar da religiosidade, isso não interferiu na qualidade do seu trabalho. A pequena influência causada, pela religiosidade em seus estudos, é de que a maior parte do trabalho dele foi voltada para a região santa, hoje conhecida como Oriente Médio. O estudo dele era considerado teleológico, um estudo finalista.

Ritter teve um tutor na sua infância que fez vários trabalhos de campos com ele, o que o ajudou a aguçar sua visão geográfica. Ritter leu muito Kant, o que foi decisivo e influente em sua visão de mundo. Karl Ritter e Humboldt tiveram um peso na publicação de Origem das espécies de Darwin, que foi publicada no ano da sua morte. Ritter é tido também como fundador do método comparativo regional, pois antes a geografia regional era uma espécie de monografia, estudava-se uma região só.

Kant e Varenius são considerados precursores da geografia clássica. Humboldt e Ritter são considerados os fundadores. Entre este período compreendido de Immanuel Kant e a morte de Ritter, a Escola alemã é a detentora da geografia mais forte do mundo. Os continuadores de Humboldt e Ritter, baseiam no pensamento deles e abrem outros caminhos.

Friedrich Ratzel (1844 – 1904)

Ratzel foi um geógrafo alemão, muito envolvido com as ciências naturais, dando ênfase a uma tentativa de explicação da diversidade humana na superfície da Terra. Escreveu uma obra que se chama Antropogeografia, que traduzida significa geografia do homem, e vai avançar na proposta dos dois eixos, sendo o primeiro a geografia humana e no bojo da geografia humana na geografia política. Suas pesquisas e trabalhos deram resultado a geografia humana alemã e, em um segundo momento, a geopolítica (AMORIM FILHO, 1985). Fará uma geografia mais histórica, mais humana, mais política.

Ferdinand von Richthofen (1833 – 1905)

Ferdinand Von Richthofen vai dar continuidade e desenvolver a geografia de Humboldt e Ritter principalmente nas técnicas de campo. Foi aluno de Karl Ritter, o que garantiu a continuidade do pensamento e da geografia de seu professor. Como Ritter tinha uma vasta experiência de campo, von Richthofen é conhecido pelo aprimoramento destas técnicas.

Sua contribuição foi no sentido de aprimoramento das técnicas de descrição a partir da realização de inúmeros trabalhos de campo. Influência direta dos estudos dos naturalistas viajantes do século XIX. Propunha uma das definições mais empíricas do objeto geográfico, vendo-o como “a superfície terrestre”, ajudando a manter aberta uma via de discussão teórica do pensamento geográfico na Alemanha.

Alfred Hettner (1859 – 1941)

Alfred Hettner foi um geógrafo alemão, sendo um dos últimos, juntamente com Hartshorne, a fazer uma geografia clássica nos moldes de Kant, Humboldt, La Blache e Ritter. Voltou-se seus estudos a geografia regional e para o estudo de diferenciação de áreas lançando as bases para a geografia regional da Hartshorne. Amorim Filho (1985) atribui Hettner como responsável pela orientação da “Landschaft Geographie” que consistia na diferenciação de vários lugares da Terra, na busca da compreensão de sua distribuição geográfica e de sua independência.

Escola Francesa

A guerra Franco-Prussiana teve um papel fundamental. A França foi humilhada do ponto de vista do tempo em que demorou para ser derrotada, o que durou cerca de um ano. Quando os franceses viram que tinha perdido uma província e meia, eles entenderam que a causa era a falta de conhecimento geográfico. Um destaque importante é que a França apesar de ter uma cartografia avançada, a falta de conhecimento em geografia para ler e interpretar era inútil do ponto de vista estratégico.

Logo após a derrota da guerra, o governo francês assina um decreto tornando obrigatório o ensino de geografia em todos os níveis de educação. Esse decreto ocasionou em uma busca por professores de geografia suficientes para lecionar em todos os graus escolares. A França era onde havia o maior número de formadores de geógrafos, este fator está ligado diretamente ao fato da unidade epistemológica.

Conrad Malte Bruhn (1755 – 1826)

Conrad Malte Bruhn, conhecido na França sob o nome de Malte Bruhn, escreveu um resumo de geografia universal de oito volumes. Não usa o termo geografia humana, pois ele será criado posteriormente por Ratzel. Segundo, Amorim Filho (2017), Malte Bruhn faz parte destes geógrafos do tempo passado que nós citamos frequentemente, mas não lemos jamais.

Fez a primeira Geografia Universal, onde, o primeiro volume é uma revisão epistemológica, sobre o que é geografia, já no fim do primeiro volume começa a falar de todos os países do mundo.

Eliesée Reclus (1830 – 1903)

Foi o precursor da Escola Francesa de Geografia e buscou em seus trabalhos resgatar valores importantes para a geografia como a importância do trabalho de campo e o uso da cartografia. Eliesée Reclus fez a segunda Geografia Universal. Foi aluno de Karl Ritter e, devido a isso, vai passar a influência alemã para a França.

Por seu posicionamento anarquista, não teve uma cadeira de geografia na academia e teve de migrar constantemente devido ao descontentamento dos governos locais perante seu posicionamento anarquista. Apesar de seu “rótulo de anarquista”, a geografia de Reclus não é paradigmática, tampouco dogmática – como é possível perceber em alguns geógrafos contemporâneos – uma vez que sua posição anarquista não procurou sobrepor alguns princípios da geografia.

Reclus escreveu textos voltados para a educação também, onde expressa seu pensamento anarquista no campo educacional. Em seu livro Anarquia pela Educação, de edição brasileira,  faz-se presente os textos “A anarquia”, “Por que somos anarquistas?”, “A revolução”, “A anarquia e a igreja”, “Algumas palavras de história”, “A meu irmão camponês” e “A pena de morte”, que foram publicados entre 1879 e 1901, onde o autor define em linhas gerais o que é, quais os objetivos e o que defendem os anarquistas, tendo o campo educacional como pano de fundo (RECLUS, 2008). É importante destacar que apesar de ser anarquista, ele nunca deixou de ser um Ritteriano.

Paul Vidal de La Blache (1845 – 1918)

É considerado o fundador da escola francesa, e baseou-se em Humboldt para fazer seu atlas.  Viveu na Grécia, o que contribuiu para falar a língua grega e ler as obras dos gregos. Suas obras são consideradas as melhores obras de todos os tempos no que se refere a geografia regional. Vidal de La Blache elevou ao máximo a arte de fazer geografia regional. Ele faz a continuidade da terceira geografia universal, dando continuidade a Eliesée Reclus.

Sua influência na escola francesa foi tão grande que durante décadas seu pensamento era o que prevalecia não só na França, mas na geografia praticada em boa parte do mundo.

Tableau de Géographie de France é uma análise regional da geografia da França, analisando região por região e em que no final da obra ele volta e faz uma síntese de tudo. Esse tipo de abordagem começa com os aspectos físicos da região, depois fala da história, da ocupação atual, mapeia, uma caracterização de cada tipo de povo. Vidal nunca escreveu uma teoria, e já que não há uma teoria, são os princípios estabelecidos em suas obras que dão unidade a geografia. E os princípios têm uma vantagem em relação a teoria, os princípios têm uma validade temporal muito maior do que a teoria.

Segundo Ribeiro (2012), Vidal de La Blache aperfeiçoou os métodos de investigação na geografia, se destacando em seus trabalhos os métodos de: “correlação e articulações entre as partes, trabalhos de campo/observação, natureza como fonte de inspiração em termos da totalidade, interdisciplinidade de vanguarda e a presença recorrente da tradição alemã de Humboldt, Ritter, Ratzel”.

A geografia se interroga, sobre o meio de explicar as diferenças de fisionomia apresentada pelas regiões. Eu acredito, de bom grado, que essas diferenças (provenientes do espetáculo que a Terra expõe a nossos olhos) são o princípio mesmo da curiosidade que despertou a origem do instinto geográfico (LA BLACHE, 1899)

Richard Hartshorne (1899 – 1992)

Nascido nos Estados Unidos, mas de origem alemã, o geógrafo Richard Hartshorne será um marco importante para a história do pensamento geográfico. Será o último geógrafo defensor da geografia clássica, antes do rolo compressor da quantificação. Assim como já havia sido dito por Kant e Hettner, Hartshorne tratará o estudo regional como o estudo da diferenciação de áreas.

Hartshorne, como defensor da geografia alemã e francesa, receberá severas críticas, sobretudo em sua principal obra The Nature of Geography (1939), sendo acusado de defender uma geografia ultrapassada e uma geografia que não é mais capaz de responder às novas questões postas pelo mundo pós-guerra. Após as críticas em seu trabalho The Nature of Geography (1939), Hartshorne escreve um segundo livro, intitulado Perspective on the Nature of Geography (1959) como uma forma de resposta a seus críticos e defensores do novo paradigma em surgimento. Em um trecho do livro ele responde aos críticos, dizendo que:

É característico que a introdução de novos  e valiosos métodos de estudo, em qualquer campo, tende a levar alguns entusiastas a proclamar que todos os trabalhos nesse campo deverão doravante, ser realizados com o emprego de tais métodos, e que tudo quanto não se preste à analise através deles não será digno de estudo.

(HARTSHORNE, 1978, p. 171)

Hartshorne segue o pensamento de Kant e Hettner ao tratar da diferenciação de áreas como uma atividade a ser desenvolvida pelo geógrafo. Defende a geografia corológica como descrição de campo e todas essas informações subsidiaram o estudo regional.

O objetivo específico da geografia é estudar como a multiplicidade de fenômenos, a superfície da terra, constitui uma unidade (“Vielheit zur Einheit”). O ponto de vista corológico analisa de que maneira os elementos mais heterogêneos das áreas, se vinculam através de relações causais para constituir o caráter das diferentes áreas do mundo, e também desse mundo como um todo.

HARTSHORNE, 1978, p. 32

Na obra Perspective on the Nature of Geography (1959), Hartshorne se defende o tempo todo de seus críticos, fazendo menções a pretensão dos geógrafos quantitativos em querer explicar a geografia, a região e suas inter-relações através de modelos matemáticos. Ele ressalta o papel do trabalho de campo como uma etapa importante para a coleta de informações intrínsecas ao local de estudo.

A conclusão a que chegaram os geógrafos alemães por volta dos fins do século passado, segundo a qual a Geografia concerne o estudo do caráter e das inter-relações das áreas, determinados por uma grande diversidade de fenômenos associados, não foi elaborada através de uma dedução proporcionada por qualquer teoria especial das relações da Geografia com as demais ciências. Pelo contrário, decorreu da experiência desses geógrafos, por indução das características intrínsecas dos trabalhos geográficos de seus predecessores, como também dos seus próprios.

HARTSHORNE, 1978, p. 32

Para Hartshorne, a geografia não pode ser humana e não ser física, já que, o homem “pertence a terra” e todos os elementos por ele produzido a uma influência. Ele critica então a divisão entre alguns geógrafos em querer separar a geografia física e geografia humana, como se fossem duas ciências distintas. No seguinte trecho ele deixa evidente esse seu ponto de vista:

[…] é absurdo, em face dessa situação, considerar a Geografia Humana como separada da Geografia Física. O homem pertence à terra, é terrestre, como Ritter acentuou ao falar em die irdish erfüllten Räume der Erdoberfläche. Qualquer obra material do homem, quer seja uma casa, plantada no chão, uma fazenda ou uma cidade, constitui uma combinação de elementos naturais e culturais.

HARTSHORNE, 1978, p. 71

É possível perceber em Propósitos e Natureza da Geografia, o início do que se acentuaria mais tarde na geografia, o início da fragmentação. Hartshorne é ferrenho crítico da concepção de geografia humana e física separada. O mesmo defende que, o que pode haver é um estudo influenciado em maior ou menor grau pela natureza, mas é inconcebível pensar as duas de maneira separada.

Se não existe em Geografia, portanto, uma separação real entre os elementos físicos e os elementos humanos, não temos uma disciplina formada de duas partes distintas. Mais propriamente, trata-se de uma disciplina em que alguns dos aspectos estudados terão sido, presumidamente, em larga medida determinados pela natureza, sem a intervenção do homem; ao passo que outros aspectos hão de ter sido, em grande parte, determinados pelo homem, agindo ao lado da natureza.

HARTSHORNE, 1978, p. 71

A influência de Immanuel Kant e Paul Vidal de La Blache nas obras de Richard Hartshorne são evidentes, uma vez que nas obras dele é marcante a ideia do todo em partes e as partes que formam um todo. Hartshorne tenta assim como Kant e Vidal de La Blache conceber uma visão de todo em sua obra e incentiva os geógrafos a estudar as partes e as interrelações entre elas.

Para compreender como aquela unidade forma um todo, no mundo inteiro, e um complexo total em qualquer lugar dado, deverá o geógrafo encontrar meios de concentrar-se em tipos particulares de aspectos, estudando suas inter-relações e as relações que apresentam com outros aspectos, a fim de aprender a integração total que existe na realidade.

HARTSHORNE, 1978, p. 79

Os fatos que se oferecem à observação imediata não constituem as principais divisões dos aspectos da terra, mas formam um sem número de aspectos individuais – precipitações pluviais, encostas, arvores, homens rios, estradas, casas, fábricas, empresas industriais, sistemas econômicos, estados, culturas etc. Uma vez que tal lista é quase ilimitada, devemos estabelecer um método útil que nos permita organizar essa multiplicidade de aspectos num sistema com o qual se possa lidar.

HARTSHORNE, 1978, p. 79

Hartshorne defende que os geógrafos devem entender as inter-relações entre as partes, e que, serão nessas inter-relações, que variam de lugar para lugar, que o geógrafo será capaz de interpretar o todo. Hartshorne diz que: “Em contraste com as ciências que versam sobre categorias particulares de fenômenos, a Geografia se preocupa com os aspectos de integração em áreas” (HARTSHORNE, 1978). Mais uma vez ele deixa claro sua visão do todo em partes e as partes que compõem um todo.

As integrações que interessam a geografia são as que variam de lugar a lugar. A organização do nosso trabalho será mais eficiente se agruparmos os fenômenos que verificamos ser mais comumente inter-relacionados. A análise de tais segmentos como integrações parciais do conteúdo de uma área permitirá nosso avanço no sentido de compreender a integração total da área.

HARTSHORNE, 1978, p. 79

Por fim, Hartshorne responde de maneira enfática as críticas que recebeu dos defensores da geografia quantitativa-teorética. Ele, que foi um dos mais criticados pelos seus compatriotas estadunidenses, afirmou que seria muita pretensão dos geógrafos que estudam uma ciência tão vasta, conseguir explicar os fenômenos da Terra e suas interrelações através de modelos computacionais. (HARTSHORNE, 1978)

Num campo em que fenômenos a estudar possuem uma larga amplitude que vai desde os repolhos até os reis, e das chuvas às religiões, parece absurdo afirmar que tudo quanto é merecedor de estudo possa ser descrito de maneira cabal e correta em termos quantitativos, ou, inversamente, que quaisquer fenômenos ou variações espaciais, que possam ser descritos em termos quantitativos, são dignos de estudo, em Geografia.

HARTSHORNE, 1978, p. 171

Hartshorne foi o último geógrafo ligado a geografia clássica, e seria ele um dos primeiros a sofrer o que Amorim Filho (2017) chamou de rolo compressor dos novos paradigmas e euforia da New Geography. Sua geografia, por ser ligada aos clássicos, foi considerada velha ao novo mundo que se formava no período entre guerras, marcado por grandes transformações na sociedade.

Segunda metade do século XX

A geografia tradicional ou clássica vista até meados do século XX começou a ser enxergada como velha e ultrapassada, pois não era capaz mais de responder às novas questões postas pela sociedade no mundo pós-segunda guerra mundial. Isso fez com que se abrisse novas perspectivas às diversas atividades geográficas, e que essas novas questões devessem ser respondidas em tempo hábil para suprir a grande demanda por informações. Da maneira que era feita a geografia até o momento, seria quase impossível para os geógrafos responderem questões de planejamento urbano como, por exemplo, com técnicas de campo e reflexão que demoraram meses ou anos.

Anos 50, início da fragmentação

Até os anos 50 a geografia tinha uma segurança epistemológica, posteriormente o relativismo, o pensamento pós-moderno, começou os paradigmas. O que complicou o pensamento da Geografia que se tinha até então.

A geografia entre os períodos 1930 e 1950 nos países anglo-saxões tinha uma corrente de pensamento baseada na visão regional ou de diferenciação de áreas, como uma busca em produzir sínteses regionais (PETERSON, 1984, apud NETO, 2010). Essa influência se dava sobretudo pelos trabalhos de Richard Hartshorne e Rettner, que influenciados pela escola alemã e francesa, tinham uma visão de conjunto e de todo, assim como seus influenciadores.

Com o avanço da pós-modernidade proveniente do mundo pós-guerra e o avanço tecnológico, a ciência começou a se desenvolver em um ritmo até então não visto, o que fez os cientistas dessas épocas procurarem novos métodos para elucidar as novas questões postas pela sociedade. Um dos motivos pode ser apontado pela necessidade de produção em massa, velocidade em se fazer pesquisa, a chegada das tecnologias no período pós-guerra, capacidade de processamento de dados graças aos computadores.

A ciência para Kunh (2012), se evolui por saltos, sendo o primeiro estágio a ciência normal. Neste primeiro estágio, a ciência se desenvolve em sua plenitude, com suas bases e princípios, após um tempo ocorre uma revolução. Essa revolução pode ser um novo paradigma, ou um pensamento forte que tem como princípio substituir tudo aquilo que vinha sendo feito. Após essa revolução, a ciência volta a ser entendida como normal, porém com novos princípios e métodos provenientes da revolução anterior. O paradigma sempre substitui o outro, após cada revolução científica.

Em primeiro lugar, uma certa frustração provocada pelo fato de se tornar cada dia mais evidente que os instrumentos conceituais e metodológicos de que se dispunha mostravam-se incapazes de solucionar problemas que se acreditava pudessem ser resolvidos pela geografia. Em segundo lugar, a tomada de contato com trabalhos produzidos por membros de outras comunidades científicas mostrava que a organização e os resultados das pesquisas geográficas se mostravam cada vez mais distanciados da produção da maior parte das outras ciências.

AMORIM FILHO, 1985

Até meados dos anos 70, a geografia era mais estável, tinha uma unidade. A geografia sob essa inspiração procurou desenvolver a linguagem matemática, os estudos regionais se preocuparam com a demonstrabilidade das teorias, além do estabelecimento de previsões, elaborando projeções.

LENCIONI, 2003

Segundo Lencioni (2003), os professores de Cambridge, Richard Chorlley e Peter Hagget, procuraram desenvolver teorias de sistemas para as geografias humanas e física com o objetivo de afirmar a New Geography e romper com a tradição geográfica. “Toda geografia é descritiva, o que mudou foi que começou haver uma descrição mais pobre, os melhores geógrafos são aqueles que descrevem melhor”.

A geografia não deixou de ser descritiva, apenas ganhou novas técnicas para a descrição e se perdeu em seus trabalhos, sendo que “Os questionamentos teóricos da Geografia passaram a ser acerca dos métodos, modelos matemáticos, e problemas advindos da pesquisa geográfica era creditado a falha nos modelos” (LENCIONI, 2003)

Segundo Lencioni (2003), os professores de Cambridge, Richard Chorlley e Peter Hagget, procuraram desenvolver teorias de sistemas para as geografias humanas e física com o objetivo de afirmar a New Geography e romper com a tradição geográfica. “Toda geografia é descritiva, o que mudou foi que começou haver uma descrição mais pobre, os melhores geógrafos são aqueles que descrevem melhor”. A geografia não deixou de ser descritiva, apenas ganhou novas técnicas para a descrição e se perdeu em seus trabalhos, sendo que “Os questionamentos teóricos da Geografia passaram a ser acerca dos métodos, modelos matemáticos, e problemas advindos da pesquisa geográfica era creditado a falha nos modelos” (LENCIONI, 2003).

Anos 50, início da fragmentação

A partir desse contexto, Amorim Filho (2017) atribui essa fragmentação de duas formas: uma por excesso de especialização e a outra pela fragmentação paradigmática, ambas penosas para a geografia e responsáveis pelo enfraquecimento da mesma.

Fragmentação por excesso de Especialização

Com a revolução quantitativa-teorética e o avanço da informática, houve uma necessidade de especialização para conseguir acompanhar o avanço tecnológico. Os cartógrafos tiveram de se especializar em informática para conseguir aprimorar seus modelos, alguns fizeram uma especialização tão profunda que penso terem abandonado a geografia e mudado para informática.

Por outro lado, algumas pessoas ao assumirem o paradigma, começaram a se denominarem especialistas em especialidades que antes não existiam, pararam de se denominar simplesmente geógrafos e começaram a se enxergar, por exemplo, geógrafo regional. É comum ouvir geógrafos se autodenominarem: pedólogos, geomorfólogos, demógrafos, geógrafos físicos, geógrafos humanistas, biogeógrafos, entre outras especializações, e não se reconhecerem pela profissão no qual foram formados, a geografia.

Essas “especialidades” que antes faziam parte do escopo dos estudos geográficos, viraram especialidades, quase que de formação.  É um equívoco que só fortalece a fragmentação da ciência, uma vez que, a partir da fragmentação por especialização, começam-se a inventar outras ciências, que sempre fizeram parte do escopo da geografia. Outro fato lamentável da especialização é a profundidade com que se estuda algo e a perda de capacidade da ideia de todo na geografia.

Fragmentação Paradigmática

A palavra paradigma na ciência começou na obra do suíço Thomas Kuhn, onde ele diz que a ciência se desenvolve em duas fases, sendo uma delas a fase normal, que é quando um paradigma controla a maioria do que é produzido e pensado por uma comunidade cientista em uma dada área, o que dá às direções as bases teóricas, as bases metodológicas, e em alguns casos até o resultado de que se espera na investigação científica. A segunda fase será quando este paradigma entrará em crise propondo novas soluções e métodos, considerando a ciência normal velha.

O paradigma abriga, na verdade, sob seu manto constituído de consensos, várias teorias e princípios de realidade. O modelo, sob o signo da técnica e da regulação do objeto, contém múltiplos arquétipos de simplificação da realidade. Embora o modelo pressuponha uma teoria, ele se identifica mais com o método.

GODOY, 2010, p. 152

Em um período curto os paradigmas dominantes são colocados em dúvida, e se a ciência normal não consegue responder às questões. Esse paradigma entra em crise, o que vai resultar em um questionamento desse paradigma e pode surgir um grupo com um paradigma novo, que critica o paradigma antigo e começa a levantar novas respostas para as velhas questões não respondidas. Esse ciclo resultará em um novo paradigma só que, vários princípios do paradigma anterior continuavam no novo paradigma, as antigas questões passam a não ser respondidas pelo novo paradigma, o que começa novamente o ciclo de criação de novos paradigmas. (KUHN, 2012).

Kuhn chegou à conclusão que um paradigma nunca substitui um outro em sua totalidade, e que um paradigma sempre irá conviver com outros paradigmas paralelamente, o que ele chama de coexistência de paradigma.

Abordagens quantitativas e teoréticas

A matematização da geografia e necessidade de rapidez em produzir conhecimento gerou uma ciência rasa, superficial, sem uma reflexão profunda acerca do conteúdo em que estava pesquisando.

Se torna difícil ver que tipo de compreensão pode-se ganhar simplesmente da contemplação das fases sucessivas de um processo em desenvolvimento […] As leis estritamente geográficas não contem referência ao tempo e às mudanças.

Schaefer (1983)

O paradigma teorético-quantitativo foi proposto como uma substituição à geografia clássica que se tinha até então, portanto vários equívocos foram identificados nos trabalhos desse paradigma, o que gera outro paradigma da Geografia Crítica de cunho marxista.

Na sua opinião, a Geografia deveria romper com os particularismos e se voltar para a formulação de leis gerais sobre a distribuição de determinadas características na superfície da Terra. Observou que descrever e classificar os fenômenos é um procedimento muito distante de uma explicação de como esses fenômenos se distribuem no mundo. Para Schaefer, a Geografia deveria se colocar “como a ciência que se refere à formulação de leis que regem a distribuição espacial de certas características na superfície da Terra”

LENCIONI, 2003

Aspectos como paisagem, região e lugar passaram a ser denominados genericamente como espaços, por ser um elemento matematizável, que não leva em consideração o aspecto humano e natural – ou quando leva em consideração é incluído apenas aqueles aspectos que se deseja destacar – o paradigma teorético quantitativo mudou a forma de ver a geografia. A regionalização sofreu duras consequências metodológicas, passando a se limitar como um processo de análises computacionais e estatísticas, sendo um dos mais usados, inclusive atualmente análise dos componentes principais.

A geografia, sob essa inspiração, procurou, como indicamos desenvolver linguagem matemática. Não que a matemática estivesse ausente, até então, da Geografia. Ela se colocava desde a gênese do conhecimento geográfico que se desenvolveu junto com a Astronomia e a Geometria; ou seja, com as preocupações em medir a superfície da Terra, em cartografar e em fazer projeções. Calcular e representar – quer graficamente ou cartograficamente – fazem parte da Geografia. Mas, nesse momento, a matemática se apresenta como linguagem, significando que tudo o que é geográfico deva encontrar uma linguagem matemática; por assim dizer, uma expressão matemática.

LENCIONI, 2003, p. 134

Houve também uma inversão nos estudos geográficos, Lencioni (2003) chama atenção de que a observação começou a ser posterior aos modelos criados. Primeiro se faz uma geografia de gabinete, depois vai ao campo – com uma visão já viciada dos números e modelos – para a comprovação do que foi criado no computador.

No momento em que o ponto de vista do positivismo lógico considera que há uma ordem subjacente na realidade, embora essa se apresente caótica, torna-se importante desvendar essa ordem subjacente. Para isso, o procedimento científico deve partir de teorias formulando hipóteses e, em seguida, proceder à observação. E é esse procedimento que os modelos matemáticos são aplicados e desenvolvidos na Geografia, buscando encontrar uma ordem no real, uma lógica na organização do espaço.

LENCIONI, 2003, p. 134

A geografia vai se evoluindo e se tornando cada vez mais complexa, esta complexidade é múltipla, não é só temática, metodológica, é uma complexidade paradigmática. Tudo começou quando começou a imaginar-se que só podia ter uma opção de escolha, uma opção de paradigma. É importante se aceitar e considerar a pluralidade. Uma geografia que tem base no positivismo pode ser útil, mas não pode ser a única. Do jeito em que a geografia se posicionou um geografo não só não entende o que o outro geógrafo faz, como também não aceita a corrente de pensamento do outro. Conforme descrito por Lencioni (2003), a geografia deixou de preocupar com seus princípios elementares, para discutir modelos.

Os questionamentos teóricos da Geografia passaram, muitas vezes, a se situarem no nível dos modelos. A discussão passou a ser a dos modelos. Por assim dizer, os impasses e os problemas advindos dos procedimentos na análise geográfica e na análise regional eram creditados à imperfeição das técnicas e dos modelos de análise.

LENCIONI, 2003, p. 140

Essa discussão dos modelos atingiu também a análise regional, quebrando com os princípios de La Blache, se preocupando em criar modelos válidos para toda a terra. Começou a se preocupar em criar scripts matemáticos que respondessem todas as questões geográficas.

Os estudos regionais se preocuparam com a demonstrabilidade das teorias, além do estabelecimento de previsões, elaborando projeções. Com o desenvolvimento e aplicação de modelos matemáticos, a análise regional procurou apreender a ordem espacial, começando pela teoria e pela construção de hipóteses e de deduções para depois chegar a observação. Assim, a observação passou a se situar no final, e não no início do procedimento científico.

LENCIONI, 2003, p. 135

A informação que utilizamos para investigação científica não representa quase nada do que realmente acontece. Nossa possibilidade de ver é muito limitada. Nós temos aproximações da informação que nos chega, é necessária vivência. Um estudo baseado em dados secundários, através dos SIG’s não nos permite ter vivência do que estamos investigando. São poucas informações que viraram conhecimento. Imprevisibilidade não tem como se transformar em conhecimento. Por não ter todas as informações necessárias, o geógrafo está trabalhando como uma aproximação deste conhecimento, uma vez que trabalhamos com amostra de informações sobre alguma coisa.

Após a euforia em um primeiro momento, a geografia crítica – que criticou a geografia clássica – começou agora a receber críticas em seus modelos, sob a alegação de que não eram suficientes para o estudo de aspectos não visíveis e não mensuráveis por modelos matemáticos. O resultado disso foi o movimento para criação de um novo paradigma que conseguisse fornecer as questões desse tipo.

Abordagens críticas

As questões de cunho político não eram respondidas no paradigma quantitativo-teorético o que gerou, em alguns geógrafos, a necessidade de construir um novo paradigma que contemplasse esse campo político/ideológico. Nesse período a ideologia interfere muito na orientação geográfica. É neste contexto que surgem alguns geógrafos radicais de filiação marxista criticando o paradigma anterior, buscando seu espaço e legitimação do novo paradigma. Uma famosa obra é a do geógrafo David Harvey, intitulada de Explanations in Geography (1969), onde busca estruturar o pensamento científico e a forma de se realizar uma nova explicação em ciência no campo geográfico (NETO, 2010).

A geografia crítica, por sua vez, também mudou o modo de ver a paisagem, perdendo-se muito no discurso marxista, onde se analisa os elementos urbanos com uma visão a partir do capital. O geografo inglês David Harvey, por exemplo, para citar apenas suas duas recentes obras Seventeen Contradictions and the end of capitalism (HARVEY, 2015) e sua mais recente obra The Ways of the World (HARVEY, 2017), deixa evidente essa visão marxista na geografia, ouso dizer que o seu trabalho é muito mais um trabalho de economia do que de geografia. Outro geógrafo crítico contemporâneo é o estadunidense Edward Soja, autor do livro Postmodern Geographies: The Reassertion of Space in Critical Social Theory (SOJA, 2011), onde o autor busca a reafirmação do espaço na teoria social crítica.

Abordagens humanistas-culturais

Após as abordagens Quantitativas–Teorética e Radical na geografia, uma nova geografia baseada na fenomenologia surge na história do pensamento geográfico, preocupada com o sentimento e o empírico das pessoas em relação ao lugar. A fenomenologia é a matriz de pensamento da geografia humanista, com a premissa de que a geografia é parte fundamental do ser e do homem. A síntese feita por Amorim filho; Abreu (2002), resume muito bem os tipos de estudos que foram feitos no campo da geografia humanística.

[…] em um primeiro momento houve um predomínio dos estudos de percepção ambiental, em seguida o foco maior se centrou nos temas da cognição espacial e das paisagens. Mais recentemente, porém, e sem descartar os temas privilegiados nas duas fases anteriores, o foco dos geógrafos humanísticos tem-se voltado para as diferentes representações e imagens que, ininterruptamente, os seres humanos constroem de seus ambientes, desde as escalas locais até as mundiais.

AMORIM FILHO; ABREU, 2002

Os defensores da geografia humanista alegavam que os geógrafos começaram a fazer previsões das coisas, como por exemplo previsão do tempo, mas ao mesmo tempo, parou de observar o céu, as nuvens e o tempo em si. Alegavam também que a geografia crítica não seria suficiente para explicar aspectos do mundo sensível. Alguns geógrafos da geografia humanista alegaram também que a geografia crítica “acabaram por  construir, não apenas uma nova alternativa em relação ao modelo naturalista e racionalista da geografia positivista, mas um novo determinismo” (AMORIM FILHO; ABREU, 2002).

Neste paradigma o conceito de lugar é muito trabalhado, será na escala local que as relações pessoais irão ocorrer, será na escala local onde o ser humano terá suas percepções afetivas, sentimentais, e é sobretudo nesta escala que a geografia humanista irá focar seus estudos. Yi-Fu Tuan é talvez o autor mais famoso ao se tratar da geografia humanista, que apesar de ser chinês, construiu toda sua carreira nos Estados Unidos. Este geógrafo é autor da famosa obra Topofilia (TUAN, 2012). Para Tuan (2012), espaço é neutro, o lugar é algo afetivo, algo valorativo. Tais conceitos foram debatidos no livro do geógrafo.

Abordagens transversais do meio ambiente terrestre

Esta abordagem, segundo Amorim Filho (2017), não é propriamente um paradigma – apesar que o mesmo acredita ser em breve – mas é uma abordagem muito presente na geografia, sobretudo a partir da década de 90, quando vários cientistas começaram a trabalhar no campo ambiental, devido ao aquecimento global.

Apesar dessa abordagem ser colocada como uma preocupação nova, estudos recentes, etc. trata-se de um equívoco, uma vez que geógrafos da geografia clássica já trabalhavam com esse tipo de abordagem através das viagens ou de trabalhos de campo. A grande diferença, e talvez a única, é de que as preocupações atuais são de orientação da recuperação e preservação do meio ambiente que vem sendo destruído em um ritmo jamais visto deste a revolução industrial.

Apesar de, como citado, os geógrafos serem um dos pioneiros ao estudar essa abordagem, hoje outros cientistas, de outras áreas, vêm estudando o meio ambiente no lugar dos geógrafos, e o principal motivo pode ser apontado pela negligência dos geógrafos em trabalhos de campo e mesmo de estudos nessa área.

Abordagens geopolíticas

Esta é a abordagem mais divulgada na imprensa e mais debatida fora do mundo acadêmico geográfico, devido aos noticiários de cunho político. Essa geografia ganhou impulso no mundo pós-guerra, onde as fronteiras começaram a sofrer grandes mudanças em um primeiro momento e guerras étnicas entraram nas pautas de noticiários.

Amorim Filho (2017) semelhante ao que disse a respeito da geografia do meio ambiente, acredita que, apesar da geopolítica ainda não ser um paradigma na geografia, logo virá a ser. A verdade é que muitos desses trabalhos são produzidos hoje, e pode ser que talvez um novo acontecimento no cenário político mundial possa estimular a partir desta abordagem, a produção de pesquisas e este paradigma se fortalecer.

Pela reunificação da geografia

O maior desafio para os geógrafos hoje talvez seja a volta aos pilares da geografia como ciência espacial. Antes das especializações e fragmentações, os geógrafos têm um compromisso com os preceitos fundamentais da disciplina.

Abertura da geografia é boa, mas, quando não há fragmentação. A filosofia é unificadora, por esse motivo muitas pessoas a procuram, a fim de voltar às origens para a unificação que a pós modernidade vem separando. Uma geografia não precisa deixar de existir para que outras possam ser criadas, um dos erros foi este. Hoje existem forças intelectuais que querem unificar a geografia e, por outro lado, forças que querem continuar e reforçar a fragmentação da geografia.

A geografia que fazemos hoje avançou em certos aspectos, mas vemos a essência da geografia no pensamento grego. Temos hoje geografias que não se comunicam. A geografia tem que fazer convergir os paradigmas atuais, buscando uma unificação epistemológica do pensamento geográfico. O geógrafo pode escolher o caminho que ele quiser, desde que mantenha um tronco em comum, os ramos têm de estar ligados a um tronco comum, um guia da ciência.

É importante a geografia não deixar de lado o trabalho de campo, a cartografia, uma vez que os indicadores por meio de dados secundários não são suficientes para explicar as questões geográficas. A geografia é uma ciência transversal, diagonal da superfície da Terra. A geografia pega o conhecimento de vários campos da ciência e agrega à ela.

A fragmentação se expressa na geografia ensinada nas salas de aula, já que, os geógrafos ao receberem uma formação fragmentada, não serão aptos para ensinar uma geografia, tal qual deve ser ensinada. Isso criará uma visão por parte da sociedade de que geografia não cumpre seu papel, e talvez algo até mais forte, irão pensar que o estudo da geografia é inútil. Quando o ensino escolar da geografia falhar, a sociedade pagará um alto preço por isso, formaremos pessoas sem a capacidade de pensar geograficamente, teremos Presidentes da República se encontrando com empresários soviéticos em pleno 2017. Será catastrófico uma sociedade cujo o seu território é continental não ter um conhecimento sobre a geografia.

Em meio a tantas possibilidades metodológicas e tecnológicas, o geógrafo precisa se atentar para a capacidade de fazer perguntas e produzir respostas a partir dos princípios. Estes princípios são descritos por Amorim Filho (2017), como: “Princípio da causalidade (causa e feito), Princípio da posição (localização), Princípio da unidade terrestre (princípio holista), Princípio da Extensão, Princípio da Geografia Geral, Princípio da Diferenciação de Áreas Princípio da conexão”

Considerações Finais

O pensamento geográfico, desde os gregos até meados do século XX, sempre teve uma unidade básica, que era o estudo regional e o estudo geral da geografia. O geógrafo sempre trabalhou nas escalas do mundo, zonas, territórios, região, lugares, paisagem, mesmo que alguém alegue que houve algum pensador, ou trabalhos que fugiam dessa linha de pensamento durante esse período, a fragmentação dos dias de hoje é muito mais intensa, os geógrafos não são capazes de conversar um com os outros. A geografia conforme era realizada pelos geógrafos clássicos tinha um prestígio enorme e era estudada inclusive por imperadores, pois era condição para o conhecimento de seu território.

Uma coisa que os geógrafos têm de entender é que a geografia é sim plural, sempre foi, e talvez a beleza maior nela é essa pluralidade que permite ao geógrafo ter uma ideia de conjunto da paisagem, ou da região, local, etc. Entretanto, essa pluralidade não significa uma necessidade em se fragmentar. Não é porque a geografia trabalha com conhecimentos de economia que se deve especializar a ponto de fazer uma geografia crítica a ponto de falar só da economia. Os geógrafos têm de parar de se enxergar em especialidades que não existem, uma vez que é a partir da geografia clássica que tudo tem que partir, era nela que os geógrafos faziam grandes descrições, sem precisar de especializar ou fragmentar o conhecimento.

Concordo que seria inevitável a mudança das técnicas realizadas no campo da geografia, não quero fazer um culto ao passado, não é este o ponto. O geógrafo tinha que olhar para uma figura como o Humboldt, e imaginar que ele sem GPS, sem carro, sem avião e sem imagem de satélite fez o que fez, e repensar seu papel na geografia. Se Humboldt fosse vivo hoje, com toda a tecnologia que temos disponíveis, certamente faria muito mais do que fez. Os métodos são caminhos e não o fim, a geografia pode e deve fazer uso de técnicas sofisticadas que vão auxiliar em uma análise mais precisa, mas estas técnicas têm de ser usadas com o espírito da geografia clássica, não com o espírito de fragmentação.

Hoje os geógrafos não sabem ler mapas, algo que está na essência da ciência geográfica é ignorado pelos professores contemporâneos. O homem primitivo desenvolveu mapas mentais, para sua própria sobrevivência, hoje somos completamente dependentes de um aparelho para comprar pão. Um bom geógrafo é o que consegue enxergar as totalidades, enxergar a paisagem como um todo, um exercício que deve ser praticado por todos os estudantes e praticantes da geografia.

A geografia clássica é a base, é onde nós geógrafos devemos encontrar nossa identidade e acabar com a atual crise da geografia. A geografia hoje ensinada não sabe lidar com mapas. A filosofia é unificadora. Um geógrafo precisa saber descrever com ciência e arte uma paisagem. O geógrafo precisa resgatar o espírito de aventura. O método científico atual pode atrapalhar a ciência geográfica nos moldes em que era feita antigamente, a própria escrita acadêmica não permite em certos momentos uma descrição mais romântica, mas, não sei se devemos nos apegar a esse tipo de coisa como justificativa para não fazer uma geografia de qualidade.

Uma das coisas que nós perdemos foi a capacidade de nos admirarmos em relação as coisas, as coisas se tornaram banais, e aquilo que se torna banal perde valor. Uma pessoa que está maravilhada com aquilo que vê entende muito melhor. Talvez seja esse o segredo das crises do mundo pós-moderno, a banalização das coisas a ponto de perder o valor e a admiração, mas fica a questão: Quem melhor do que o geógrafo para atiçar a admiração entre o homem e a natureza.

Certamente este trabalho não se encontra acabado e tampouco é suficiente para um estudo aprofundado da evolução do pensamento geográfico. Pretendo em um futuro próximo, com maior conhecimento, retornar a este trabalho e dar continuidade aos estudos do pensamento geográfico, por saber de sua importância. Um bom geógrafo deve conhecer suas raízes, pois somente sabendo sua identidade é que seu trabalho será completo e bem feito.

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Escrito por Erick Faria
Engenheiro de Dados com Ph.D. em Geografia e experiência em análise espacial e geoprocessamento. Expertise em processamento de grandes volumes de dados geoespaciais, imagens de satélite e dados de mercado, utilizando ferramentas como Spark, Databricks e Google Earth Engine. Experiência em projetos de mercado de carbono, modelos preditivos para investimentos agrícolas e liderança de projetos de dados em saúde pública. Habilidades em Python, R, SQL e diversas ferramentas de engenharia de dados. Profile